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Mensagens

A mostrar mensagens de maio, 2016

Esquisitices

"Se pensas que és normal estás muito enganado. Tu és um esquisito". Isto dizia Afrodite ao seu Nestlé. Alongado no sofá da sala pensava - está bem abelha eu não sou um cão qualquer, quero a minha ração de carne, e não aquela mixórdia que vem nas latas - e abanava ligeiramente o rabo e entreabria os olhos. Os dias iam passando. Afrodite levava-o a passear pela trela extensível,  podendo cheirar à sua vontade os marcos olfativos, marcando e reforçando a dose nos que teriam sido apagados pelos seus "colegas". Às vezes. ia ao sr. doutor Prudêncio. Mas nada de cuidados que vida de cão é assim mesmo. Viver à conta, acatar com subserviência encapotada algumas rotinas diárias, cheirar tudo, guardar o seu território, ser puxado ou puxar pela trela, repousar. Reparou que Afrodite andava um pouco esquisita. Estava ciumenta e ameaçava-o com a ida para a casota se continuasse a namoriscar com a Mili dum bairro contíguo; "ai vais para a casota vais..." As coisa...

Tanto vale correr como saltar

Certamente já ouviu este provérbio "Quem não tem sorte, tanto vale correr como saltar". Mas, como em quase todos eles, não será tanto assim. Se tiver azar e se deparar com um boi soprando pelas ventas, certamente não se vai por aos saltos. E se o senhorio lhe aumentou a renda sem esperar, não vale a pena correr. Talvez seja melhor saltar a pés juntos ou separados, mandando-o àquela parte para acalmar os nervos. "O azar de uns é a sorte de outros". Já será mais aceitável. Um clube a que pertence teve azar, outros lucraram com ele. O euro desce, mau para quem os tem, bom para quem os compra. Mas nem sempre assim será. Com as coisas a mudar tão rápido, chegará o seu dia de sorte em que "o último a rir, ri melhor". Mas não é agradável ser o último em muitas coisa, só algumas. Espero que para morrer, você e eu sejamos dos últimos. Geralmente todos querem ser os primeiros, chegar na frente e vencer. Espere lá, como ficamos com o ditado de "os últimos...

Heróis escondidos

Escrever sobre qualquer tema de forma original e interessante não é fácil. Temos a nossa cabeça cheia de lugares comuns, frases feitas, temas para começar e acabar conversas, o tempo, a vida dos vizinhos,  familiares, os nascimentos, os aniversários, a saúde e a morte. Depois a vida, as viagens para quem as pode fazer, o trabalho e reforma, a velhice, os carros e motos, os telemóveis,  os médicos, os remédios, as novelas e a tv. Um rol que não acaba... mas temos de ficar por aqui e ir ao nosso assunto, escondido por trás destes cenários. Os heróis improváveis, que face à adversidade de uma doença mais negra, se viram com e sem ajudas; perante uma iminente hecatombe, travam a sua luta, sobem à tona da água, nadam para a margem e eles aí vão, de cabeça levantada, olhos em horizontes mais largos, sorriso aberto de quem vence o seu destino. Os heróis esquecidos que abdicam de si, sufocados pelo dramáticos destinos dos outros; pelejam sem armas pelos direitos, lib...

O meu companheiro partiu

Hoje o Henrique caminhava pelo arredores do bairro. As ruas quase desertas. Encontrava um ou outro vizinho que cumprimentava interessadamente.  Uns poucos sentados nas explanadas, outros trabalhando nas ruas retirando ou colocando adereços, pintando, lavando. Uns mostrando carros de novos modelos, outros passando nas ruas em carros e carrinhas evidenciando mais ou menos o peso dos anos. Uns fumando, outros comendo, outros conversando. O dia começava de forma ao mesmo tempo original e repetível. Como para toda a gente. Cuza-se com a Deolinda. Rosto que nem os anos nem a tristeza da partida do seu companheiro conseguiram marcar com as inevitáveis rugas; que inveja! Mas a saudade interior consome. Mostra a alegria da compra de uns pequenos bonecos de porcelana, pintados por fora e ocos por dentro, onde depositará pequenas flores, lembrando o companheiro que partiu. Os filhos, que os houve, partiram, também, mas para outras paragens terrenas, mantendo a esperança de, a tempos espaçad...

Cristo Rei

Pela fé e determinação dos homens foi concebido e iniciada a minha existência nos anos 40 e 50 do século passado. Os meus ossos e a minha carne desafiam os ventos e tempestades e cá do cimo do pedestal de mais de 100 metros de altura contemplo uma paisagem singular de Lisboa. Tenho um sósia no Brasil, embora seja mais velho do que eu. Não apetece falar muito mais de mim, porque está quase tudo dito AQUI. Não sei se sabiam, mas eu estou na Internet! Digo, quase tudo, porque falam imenso de mim. Mas a maior parte não sabe o que eu vejo, penso e sinto, nem está para ouvir o que eu digo daqui aos ventos ásperos de nordeste. Daqui, assisti à construção de uma ponte quase toda férrea e outra mais moderna ali mais para nascente deste rio Tejo, que nem sempre cheira lá muito bem. Mas enfim... Do outro lado do Rio está a capital de cores atrevidas, buliçosa e, por vezes ruidosa de mais para o meu gosto, Felizmente, os meus ouvidos não estão em grande forma. Atrás de mim e aos meus lados...

Terra à deriva

Há milénios que a terra, o planeta, está girar num eixo imaginário, rodopiando à volta de uma estrela como uma traça gigante encantada com a luz. Mas nas suas entranhas há um fogo a arder e, como tudo o que arde acaba por se consumir, também ela se irá encolher, rodopiar mais depressa e talvez agonizar sozinha no seu leito universal. E nós, tristes mortais nesta barca redonda, damos por garantida esta relojoaria, com corpos rodopiando, dançando e compartilhando luz, tempo e espaço. Ouvem-se uns ruídos estranhos. Algures no seu eixo imaginário as engrenagens começam a dar sinais de fadiga. O óleo sujo espalha-se pelas peças ressequidas. O fumo escurecido vai-se espalhando e abraçando os seus continentes e mares. Os habitantes, distraídos rodopiam de casa em casa, de toca em toca, de rua para rua, de um lugar para lugar nenhum.  O relojoeiro sem espanto, observa e abana a cabeça. Lentamente o planeta abranda. Os dias e noites alongam-se. As estações diluem-se. O relojoeiro desani...

Acordou em Marte?

Deitou-se e adormeceu. A respiração abranda, o corpo deixa-se ir, com os sonhos a invadirem a sua cabeça. Corre pelo campo, levanta os pés e aí vai ele a voar, a subir, a ver a sua casa num emaranhado deformado de ruas, telhados, copas de árvores e pássaros pretos, muitos, com voos acrobáticos, como se fossem andorinhas. O tempo inevitavelmente parou. Pararam as andorinhas e tudo o resto. Não só o tempo, também o espaço gelou. Nada se mexe, nada sai do seu lugar. Um ténue zumbido constante é tudo o que resta. O tempo reinicia a sua marcha. Acorda, olha pela janela. A manhã estava gelada, o sol pequeno e redondo emitia uma luz embaciada. Interroga-se sobre onde está. O que se terá passado? Que terreno rude, raso e salpicado de pedregulhos veem os seus olhos? Lá ao longe, uma roda iluminada. Ainda mais além, uma pequena luz redonda, azulada, pairando no espaço junto ao horizonte. Há algo de fascinante neste ponto de luz constante. Estendeu-lhe a mão, o espaço encurtou-se e ouviu...

A última noite em Roma

  Cum subit illius tristissima noctis imago, qua mihi supremum tempus in urbe fuit, cum repeto noctem, qua tot mihi cara reliqui, labitur ex oculis nunc quoque gutta meis. Estes versos iniciam o prólogo de um poema - Tristezas - de Ovídio. Relembro-o de memória, de vez em quando, truncado pelos largos anos decorridos desde que o estudei. Mas a Internet, ajudou-me a colá-los aqui e à respetiva tradução: Quando me vem à mente a imagem tristíssima daquela noite a qual foi, para mim, os últimos momentos em Roma, quando relembro a noite em que abandonei tudo o que me era caro, ainda, agora, dos meus olhos escorrem lágrimas. A tristeza de abandonar forçadamente Roma, Beja ou Foz Côa, seja porque circunstância for, será sempre dolorosa. Não há resiliência que nos valha. Perdem-se temporariamente ou de vez os amigos, a família, os vizinhos e aqueles mimos gastronómicos.. . Mas, isso é o menos, que os portugueses estão por todo o lado com o seu bacalhau, presun...

Cabeça de água

Estou aqui no cimo de uma pequena colina, mirando em redor. O castelo além, destaca-se na paisagem e tira-me algum protagonismo. Já cá estava há muito quando eu nasci, bem como uns retalhos de muralha, umas quantas torres de igreja e muitas casas; umas ao lado das outras, ( respire um pouco se estiver cansado de subir as escadas ) outras empilhadas umas nas outras. Ninguém me disse, mas por conversas que escuto ao meu redor, soube que o castelo e essas pedras em parede amuralhada, são apreciadas. Coitados dos que sofreram a bom sofrer para as fazer, para as defender e para as atacar. Pois é certo que elas não foram para ali sozinhas e uma torre e uns muros serviram certamente de palco para muitas e longas disputas. Esta gente ferve em pouca água e, quando menos se espera, acontece o que se diz que tem de acontecer. Pedra para cá, faca para lá, lança para cá, seta para lá, bala para cá, bomba para lá. Também sei que tenho os pés espetados no chão ao pé de umas casas arruinadas, ou ...

A via sacra

Muita gente católica, e não só, sabe que a via sacra deste ano litúrgico, já passou. A Páscoa também... Mas Cristo voltará a nascer, viver, fazer a via sacra, morrer e ressuscitar. Teremos a nossa nova Páscoa.Mas não é dessa via sacra que gostaria de escrever ou falar... Gostaria de escrever sobre a via sacra que, nos nossos dias, todos fazemos. Toca o despertador e aí vai começar a via sacra diária de imensa gente. Ligar e desligar coisas, apanhar e largar transportes, pessoas e crianças. Fazer coisas, dizer, ouvir, discutir, decidir, rir e chorar. Regressar a casa, não esquecer o super, a farmácia, o pão, o passe, o carro, a boleia. Depois, as vias sacras especiais... Num dia e numa hora vamos mostrar-nos ao Sr. Doutor... Chegar, esperar, contar as maleitas, esperar pelo receituário - um produto natural, artificial ou assim-assim? Contam-se os euros, vai-se à farmácia, fazem-se terapias, novos exames, Volta-se daí a umas semanas, Ai este peso... E esta tensão arterial! Outra con...

Dois lugares um destino

Estou longe da terra que me viu nascer. Por isso, de vez em quando, vou-me mostrar à terra onde tudo, para mim, começou. O tempo, esse inconstante, prega algumas partidas. Anuncia calor no lugar de partida e logo, no lugar de destino, arrepende-se e desata a arrefecer e a chover. Encontra-se um ou outro vizinho e o início de conversa é, repetidamente: "então vieste trazer a chuva?" E recordam-se os tempos e os lugares. Os tempos árduos do passado, as proezas e as agruras. As escolas cheias e as ruas com gente nova e alguns mais velhos. Recordam-se os que se salvaram e os que Deus não pôde ajudar... Agora, um certo silêncio marcado pelo relógio eletrónico da torre da igreja. Puxa pela modernidade. Um ou outro cão ladra sem grande convicção. O mesmo se passa com o galo do vizinho. Alguns "idosos" sobem e descem pelas ruas calcetadas, depois ou antes de deixarem as suas preces e os seus agradecimentos na sempre imperturbável igreja da freguesia. O...

O teatro

Que me perdoem os atores e autores de teatro, mas eu não gosto de teatro. Sou mais pelo cinema. Sei que são ambos artes de fingir, mas não vos sei dizer o porquê desta minha opção. A bem dizer do cinema atual sei pouco. Grande parte não me agrada, porque a violência gratuita impera. Um aparte sobre um filme que marcou, entre outros: "À beira do fim", está no YouTube. É um pouco violento, mas dá para pensar. É apresentado como ficção científica, mas hoje quase que podia passar por um documentário. Mas, voltando ao teatro, lembro que vi umas poucas peças de teatro e admirei e admiro o entusiasmo e o amor dos atores, A sua entrega à sua arte, o que faz com que me sinta "culpado" por não ser um fã do teatro. A vida é um teatro, dizem. Vamos representando os nossos papéis o melhor que sabemos e podemos. Fingimos, pintamos a cara, vestimos e despimos os nossos trajes e vamos passando a vida. É assim a vida, quer se goste ou não de teatro.