Entre muitos outros, temos fascínio pela desgraça, pela vida alheia e pela nossa imagem.
"Uma desgraça nunca vem só...". A desgraça é coisa que não falta. Os meios para espiolhar a vida alheia são incontáveis e a nossa imagem infelizmente vai-se deteriorando com a idade, andando de mãos dadas com inveja e com as desgraças.
A desgraça instalou-se. Como? Quando nos atrevemos a dominar o nosso espaço, a domesticá-lo a retalha-lo em países, condados, repúblicas, reinos, quarteirões e quintais. Quando mexemos em coisas que nunca devíamos ter mexido, na manipulação biológica, química, genética, molecular, atómica. Quando o nosso cérebro alargou e começou a recordar o que se passou e a calcular o que aí está para vir. Em consequência, os danos nas necessidades básicas são tantos que qualquer caridade ou misericórdia não passa de um ato de pura hipocrisia. "Coitadinhos destes desgraçados... só ficaram com a roupa do corpinho... Vamos lá fazer um jantar de beneficência para angariar fundos para estes desgraçados..."
A vida alheia é a nossa mais enraizada coscuvilhice. Desde a coscuvilhice doméstica, feita nos lares, nos clubes, nas empresas, à coscuvilhice profissional das organizações, estados, organizações planetárias. "Olha lá, o fulano já não anda com cicrano... Ali há gato...". "Já fez o relatório da geolocalização dos membros da tribu Aser... Envie-mo, porque temos de limpar essa canalha... Estão a ter um comportamento um pouco hostil..."
"E como estamos de aspeto? Como estou de cara... Meu Deus, este espelho está contra mim...". No fundo de cada um de nós está um ser único que povoa esta terra num cintilar fugaz da vida do universo. O passado já lá vai, um futuro virá. O aqui e o agora, que avidamente tentamos agarrar do futuro, escapa-se furtivamente das mãos para o passado. Desgraçadamente, talvez...
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