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Mensagens

A mostrar mensagens de novembro, 2016

Olhos na tinta roriz

"Então Barcelino, estás a deixar as varas com três e quatro olhos? Olha que a tinta roriz no máximo dois olhos por vara é quanto basta", recrimina o Zé Sabão, um experiente podador. Mas Barcelino riposta: "Eu sei, mas o patrão precisa de dinheiro... E depois vem o pedrolho ou a aranha que lá come um ou outro rebento... Ou mesmo a geada que queima alguns.... Vão por mim, deixem lá mais um olho ou dois nas varas, porque o patrão precisa, porra!" E valada após valada lá iam, com mais ou menos frio e mais ou menos generosidade para com a natureza e com o patrão, cortando meticulosamente as varas do talhão da tinta roriz, naquele fria manhã do minguante do mês de Janeiro. Pouco tempo depois o Barcelino volta à carga, agora com ar mais recatado. "E aqui entre nós, há também mais uma coisa, Vocês não sabem que os americanos e ingleses têm umas máquinas no céu que vêm a forma como nós podamos as videiras e fazemos o cultivo da vinha para, depois, nos impingir...

Os quatro do fundo da sala

Num dos primeiros dias do mês de Outubro, lá se apresentou na escola para começar a 1ª classe, levado por sua mãe. Entregou-o à professora com quem entrega uma prenda: "Cá está a encomenda. Se se portar mal, carregue-lhe... Mas não deve ser preciso, só é um pouco teimoso...". A escola era numa sala retangular por cima de um armazém de tonéis, com velhas janelas a norte e a poente e com a entrada pelo adro da Igreja. O soalho já tinha os seus dias e não era conveniente deixar cair lápis, aparos ou outro material de pequena dimensão porque iriam parar ao armazém e não havia devolução.   As carteiras estavam dispostas em filas viradas para o estrado com secretária em madeira, um quadro de ardósia, um mapa e mais alguns apetrechos.  Lá estavam o Carmona e o Salazar pendurados na parede, ombreando com um crucifixo modesto. Na última fila da escola estavam duas carteiras maiores que as restantes, cerca de vinte. Os seus detentores eram conhecidos de todos de modo...

Os heróis

Ao pensar em heróis, vêem à memória um conjunto de pessoas que pensaram e ou realizaram obras que os destacaram dos restantes contemporâneos. A história  encarrega-se de registar os vencedores e alguns vencidos, os descobridores, os inventores, os pensadores, os artistas e por aí fora.   Mas a história não lembrará o Sr. Carriço que, dias e dias com pouco descanso, se levantava ainda de noite para, com a sua enxada às costas, percorrer algumas encostas, chegar ao despontar do sol à propriedade do patrão. Juntamente com outros "carriços" escavou e redrou, bardo a bardo, socalco a socalco, ano após ano, as vinhas da quinta senhorial, alimentado a caldo e sardinha, pão e algum vinho. Com o pouco dinheiro que recebia, sustentou a sua mulher e criou os três filhos. Conseguiu ainda comprar a custo e já no fim de vida, com ajuda dum empréstimo honrado de um amigo, uma pequena parcela de vinha que cuidou zelosamente e legou aos seus descendentes. A história não lembrará a S...