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Mensagens

A mostrar mensagens de julho, 2016

Uma criança no céu

A convivência entre seres vivos faz-se de colaboração e competição,  Acima de tudo, eles são variados, adaptáveis, organizados, comem e reproduzem-se e depois de nascidos, vivem e morrem. Alguns pensam, criam e resolvem problemas,  sentem compaixão e ódio, confiança e desconfiança. Tomemos um exemplo. Pessoas de uma família estão na sala de um apartamento a ver televisão. Na cozinha ao lado, um cão e uma criança de berço. Tudo parece normal. Porém, o cão, por instinto ou sensação de ameaça, ataca o bebé com quem brincava, provocando-lhe ferimentos graves; acaba por morrer, depois de socorrido pelos familiares e levado para a urgência do hospital. Abrem-se procedimentos jurídicos para punir o ou os responsáveis... Os familiares? Os responsáveis pelo cão? O próprio cão, uma vez que não sendo pessoa, terá pensamento e alma? A própria vítima? O resultados: O cão estará algures, sem remorsos, com um nova identidade. A criança possivelmente no céu, se estava b...

As vizinhas e as flores

Sra. x: Oh! vizinha, espere lá aí. Então não sabe que o presidente da nossa Junta de Freguesia mandou regar as flores do Jardim da Rampa e os malvados dos jardineiros enganaram-se e puseram um produto na água que as roseiras, em vez de darem rosas, agora estão cheias de cravos. Você já viu isto? Sra. y: O quê? Cravos? Mas você está a falar a sério ou a brincar comigo! Sra. x: É verdade! Cravos vermelhos como os do 25 de Abril... Todos vermelhos e bem viçosos. Vi, cheirei e até apanhei um. Olhe lá... Até há quem diga que isto é coisa do S. Jirónio. O Costa, o da engenhoca de arames e rodas com dentes já gastos a pingar óleo, quer mandá-lo às urtigas... Pois é como lhe digo. Temos que avisar aquele senhor professor bem apessoado, o Xico Lousa, para dar uma mãozinha à Citrina. Ou eles põem roseiras que dêem rosas, ou então que tirem as roseiras e ponham craveiros... Pela lógica, os craveiros darão rosas...  Sra. y: Olhe Sra. Assunção Passos, mais cravo menos c...

Lucrécia

Lucrécia sempre quis andar na moda. Comprava obstinadamente revistas, percorria as ruas e corria para as montras com olhares devoradores e entrava numa ou noutra para apressadamente vestir e despir roupa e sapatos. Depois de muito experimentar lá levava um par, ou umas calças ou saia e blusa de cores recomendadas e talhe a condizer. Isto a um ritmo semanal nas mudanças de estação, e muito espaçadamente nos pinos de verão e depressões invernais. Havia porém uma época excepcional nas vésperas da ida para férias, em que o fato de banho era criteriosamente escolhido, dependendo da maior ou menor eficácia da dieta. Uma coisa que preocupava Lucrécia era a sua imagem de marca - os chapéus. Mais redondos ou ovais, mais altos ou baixos e com mais ou menos adereços, ele devia rematar com suprema distinção o equilíbrio do conjunto em que a cor e design dos sapatos não era descurado. Depois vinham os lenços de seda, ou não; as malas e carteira a harmonizar o conjunto. Lucrécia tinha a sua...

PANteísta

Estacionou o carro, depois de uma longa jornada de cerca de 3 horas a conduzir de regresso a casa. Era quase noite, saiu do carro e observou o pára-brisas, capot e faróis. Entristecido, ajoelhou-se junto ao carro e rezou algumas ave-marias pela alma dos imensos mosquitos esmagados contra o carro. Rezou também por alma de uns poucos gafanhotos imóveis, cravados na grelha frontal. O que antes tinham sido seres refinados pela evolução para sobreviver em ambientes hostis, eram agora pontos inertes num vidro ou chapa metálica. Cansado e de joelhos doridos o nosso Panteísta acaba as preces e entra em casa. As suas ave-marias chegaram rapidamente ao céu. Tão rápido como o esquecimento a que votou os pontos de exosqueletos do seu carro. Descalça os sapatos de pele, atira o saco de roupa suja que levara para a viagem e liga a TV. Aparecem umas poucas moscas e mosquitos que aproveitaram a sua ausência e a temperatura amena da sala para deambularem pelos cantos da casa. Sabe Deu...

O buraco na porta

Sentado no seu banco de madeira maciça, Justiniano limpava a sua caçadeira de calibre 12, com dois canos justapostos e sem marca visível. Estava no armazém junto à alta e pesada porta de madeira, entreaberta, com uma cobertura de zinco na parte inferior. No armazém guardava o vinho em 4 grandes tonéis de 9 pipas cada, bem como a salgadeira para conservar o porco criado com as sobras e um armário para os apetrechos da caça. Além da espingarda, lá estavam os cartuchos, pólvora, chumbos, serradura e fulminantes. Para ele, caçar era um vício e também uma arte. Raramente errava uma perdiz, mas os coelhos não lhe interessavam por aí além. O Russinho, seu compadre, esse sim, os coelhos eram a sua predileção. Sozinho ou em companhia de outros caçadores rondava repetidas vezes as matas e terrenos cultivados que circundavam a aldeia. Com as perdizes penduradas no seu cinturão de cabedal, regressava para o almoço e entregava a caça à sua Clara para as preparar para a ceia ou almoço do dia segui...

Bola da vida

Ontem, 10 de Julho, uma seleção de Portugueses ganhou a Taça da Europa de futebol. Ganharam a final à seleção francesa. Deitaram os foguetes e apanharam as canas... Esqueceram-se por uns tempos as debilidades, as quezílias e as amarguras de vidas duras, sofridas e incertas. Uma bola rolou num campo relvado iluminada por fortes holofotes. Pontapeada sem piedade e sem culpa alguma por vinte e tal homens, seguiu o seu destino, obedecendo às leis da física perante os olhares ansiosos de quem, por momentos gritava, sofria, implorando aos deuses que a sorte os favorecesse. Acabado o jogo, tudo foi gradualmente amainando. Desligaram-se os holofotes, os festejos dos vencedores e a tristeza dos vencidos foram-se dissipando e a vida costumeira foi retomando o seu curso. O tempo registará na memória de alguns as imagens as estatísticas o resultado e os intervenientes, talvez um ou outro facto anedótico e pouco mais. Agora, tal como antes do jogo, é a vez das discussões, opiniões avalizadas ...

Perdido

O meu alfa diz-me para sair do carro depois de parar na berma da A24 e eu, educadamente, saí. Ele partiu e eu fiquei. Ainda esbocei uma tentativa de correr atrás do carro, mas não merecia a pena. Perdido, sem cheiros conhecidos para me orientar foi andando, procurando água e comida. Nada, a não ser aquele ruído rouco de carros a passar e cheiro penetrante a algo queimado. Ladrar não era solução. Passa um dia, vem a noite, novo dia e continuo a minha busca. Já o sol ia desaparecendo quando um carro pára. Não é tão grande e bonito como aquele do meu antigo alfa a quem fora fiel. Abrem uma porta e eu, desconfiado espetei as orelhas, fixei o meu olhar e o meu olfato, apesar de confuso pelos fumos e gases dos carros. Algo me diz que são de confiança. Entro para a parte de trás do carro. Não teria uma outra oportunidade como aquela. Vamos, certamente, para uma nova casa e terei um ou mais novos alfa. Há horas de sorte, se bem que ainda era cedo para ficar alegre e tranquilo. O cheiro a ...